24 outubro 2006

Lopes-graça e nacionalismo português e brasileiro

Na década de 50, ultrapassada a actividade no seio do MUD (Movimento de Unidade Democrática) para a eleição do General Norton de Matos, Lopes-Graça, a exemplo de muitos outros artistas, professores e intelectuais, sofreu o mais forte ataque e a maior perseguição, por parte do Estado – Novo, numa clara e séria tentativa de cortar com todos os seus meios de subsistência (A Emissora Nacional fica proibida de passar a sua música, as Orquestras Nacionais de a incluir nos seus programas, é expulso da Sociedade Portuguesa de Autores e Compositores Portugueses…).
Em 1954, o último golpe consiste em retirar-lhe o Diploma de Professor do Ensino Particular, donde resulta o abandono compulsivo da Academia de Amadores de Música, onde exercia a Direcção Pedagógica partilhada com Tomaz Borba.
Curiosamente, quase parecendo que se abstraiu de todos estes problemas, os anos 50 representam a fase de maior amadurecimento da sua linguagem musical e de um monumental frenesim criativo.
São os amigos quem tudo faz para o ajudar. Uns para que permaneça em Portugal, oferecem-lhe trabalhos como traduções e criticas de arte outros, pelo contrário, proporcionam-lhe condições para que possa abandonar o País a fim de poder realizar em pleno a sua actividade criadora.
França, Polónia, Itália, República Checa, mas também Angola e Moçambique são alguns dos Países que lhe oferecem possibilidades e condições de trabalho.
Mas foi o Brasil o País que mais se aproximou de Lopes-Graça.
As relações com compositores Brasileiros tiveram início em 1948, quando do Congresso dos Compositores e Musicólogos Progressistas, em Praga, manifestação na órbita da Internacional Comunista que, perante as novas condições sociais que se colocavam depois da II Guerra Mundial, discutiu a questão da “forma e do conteúdo”, do “nacionalismo versus cosmopolitismo”, isto é, a modernidade musical face aos movimentos ideológicos, políticos e sociais.
Lopes-Graça participou em tal Congresso (clandestinamente) e aí encontrou muitos seus parceiros brasileiros.
O compositor encontrava-se então em pleno aprofundamento do seu nacionalismo musical. Já os compositores brasileiros, pelo contrário, encontravam-se organizados no movimento “Música Viva” e, como tal, ligados às correntes cosmopolitas em torno das técnicas “Dodecafónicas”.
È a partir deste Congresso que se estabelece uma forte ligação entre Lopes-Graça e os compositores brasileiros, documentada em vasta correspondência, versando a música contemporânea nos dois países irmãos e as possibilidades de um possível percurso comum visando um trajecto musical lusófono.
Lopes-Graça encontrava-se então muito mais avançado nas bases éticas e étnicas do seu nacionalismo o que provocava, não só a admiração como a curiosidade, dos seus colegas brasileiros.
O primeiro convite para Lopes-Graça se deslocar ao Brasil surgiu através do compositor Mozart de Araújo, em 1951, que aquele compositor justifica afirmando que tal convite não tem apenas um significado político de aproximação entre os nossos países, mas decorre também da admiração que tenho pela sua obra construtiva e pela sua inteligência...
A progressiva troca do Dodecafonismo pelo Nacionalismo por parte dos compositores brasileiros, com a consequente apresentação da sua música em concertos da Sociedade de Música Contemporânea Sonata (de que Lopes-Graça era Director) e a recíproca execução de música de Lopes-Graça no Brasil, são os passos seguintes deste percurso de aproximação.

È no seio deste processo que Lopes-Graça escreve Viagens na minha Terra e Onze Glosas sobre música Tradicional Portuguesa (das quais serão apresentadas algumas neste concerto), obras representativas de um nacionalismo muito profundo e representativo na sua linguagem musical.

Depois de sucessivas tentativas, Lopes-Graça acaba por visitar o Brasil, a convite do Ministério da Educação e Cultura, realizando recitais e conferências à volta de música portuguesa em várias cidades, ao longo de quatro meses.
Esta aproximação foi de tal modo frutuosa que Lopes-Graça recebeu diversos convites e diligências para se fixar naquele País, mas acaba por regressar à Pátria que lhe era madrasta porque, como confessava por carta a Cochofel, tudo isto é desconcertante e eu creio que nunca me adaptaria, talvez por já estar por demais conquistado, agarrado a coisas que podem não ter tanta grandeza, tanta surpresa, tantas promessas, mas que são aquelas com que posso respirar. (22/8/58).
O interesse do programa de piano e flauta, que nos é proposto pelo Duo Tonalis neste concerto reside, desde logo, na apresentação de obras que expressam esta época de relacionamento e aproximação musical de Brasil e Portugal, personificada na pessoa de Lopes-Graça e de vários compositores brasileiros, retrato singular de uma época que ficou tristemente conhecida como o Portugal orgulhosamente só.
Trata-se de um programa de compositores que ultrapassaram o nacionalismo novecentista e intuitivo de Villa-Lobos e Viana da Mota, construindo um nacionalismo atravessado pela dialéctica entre o nacional e o universal, aceitando e promovendo as respectivas diversidades nacionais (ou culturais) num aprofundamento ético e étnico na recolha e tratamento dos espécimes folclóricos.

É este o momento histórico na música lusófona proposto neste programa.
Do lado Brasileiro são-nos apresentadas obras de:
César Guerra – Peixe, compositor de ascendência portuguesas, nascido em 1914, que se dedicou durante anos às técnicas dodecafónicas, com as quais rompeu definitivamente em 1949, dedicando-se desde aí a um nacionalismo popular no seguimento de Villa-Lobos e Mignone que o levaria à própria recolha de música popular no nordeste brasileiro.
Mozart Camargo Guarnieiri, nasceu em 1907, compositor que estudou em Paris com Charles Koechlin (com quem anos antes tinha trabalhado Lopes-Graça) e que possui uma obra fundamentalmente assente no folclore brasileiro, com uma coerência ética e estética, sem precedentes naquele País.
Cláudio Santoro, nascido em 1919, compositor que se iniciou em composição debaixo da orientação do alemão Koellreuter, o arauto das técnicas dodecafónicas no Brasil e fundador do movimento Mùsica Viva. Em 1948 ganha uma bolsa para estudar em Paris com Nadia Boulanger e acaba por renegar o credo dodecafonista, abraçando um estilo nacionalista muito mais preocupado com o lado estético do que ético. .
Para completar o ethos deste programa, registe-se que o próprio Duo Tonalis é composto pela pianista brasileira Gláucia Leal e pela flautista portuguesa Sílvia Sobral.

14 outubro 2006

Moção aprovada

Moção

Considerando que nos encontramos numa época em que se valoriza o Ter e se esquece o Ser

Considerando que estamos num período em que Cultura se confunde com Espectáculo

Considerando que na terra (Tomar) onde todo a gente se proclama Profissional e evita ser confundido com amador, confundindo mercenário e qualidade e esquecendo que qualquer bom profissional é amador (entendendo que amador é o que ama o que faz e, necessariamente, só ama o bom e o bem!!)

Propomos:

Que o próximo concerto do Coro Canto Firme (dia 20, 21H30, Auditório Lopes-Graça (Canto-Firme)), incluído no Ciclo Lopes-Graça altamente profissionalizado e onde todos os concertos são pagos seja, por isso mesmo, também, pago!

Aprovado por Unanimidade!

P.S. – É preço de pelintra (4 eur.) e pode-se adquirir à porta...